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O chamado Decreto do CAC, uma questão de inteligência do Governo Bolsonaro

O chamado Decreto do CAC, uma questão de inteligência do Governo Bolsonaro

Recentemente, o nº Decreto nº 9.785/19 foi alterado pelo Decreto nº 9797/19 para algumas correções técnicas, porém não tira o brilho do anterior, ao contrário o lapida, aumentando ainda o brilhantismo da decisão administrativa.

A Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) traz como regra a proibição do porte de arma de fogo, porém, traz um capítulo específico para tratar das exceções, que vai do artigo 6º ao 11. Vejamos:

DO PORTE

Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional,salvo paraos casos previstos em legislação própria e para:

II - os integrantes de órgãos referidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 144 da Constituição Federal e os da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP);

III - os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;

V - os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;

VI - os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;

VII - os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;

VIII - as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;

IX - para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental. (gn)

X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário.

Assim, evidente que qualquer pessoa que se enquadre nessas categorias tem direito ao porte de arma, então, não foi o Presidente que infundadamente autorizou o porte de arma a algumas categorias, em especial ao CAC. Foi o próprio Estatuto do Desarmamento.

No entanto, a ideia de que o porte de arma era proibido, nascia no disposto no artigo 10 do Estatuto do Desarmamento. O artigo 10 traz uma previsão genérica de que somente se a pessoa exercer uma atividade que a coloque em rico ou ameace sua integridade, esta poderá ter o porte deferido por ato discricionário do Delegado de Polícia Federal.

Essa discricionariedade tolheu o direito de muitos ao porte, levando a falsa ideia de que o porte era proibido. Infelizmente, essa discricionariedade também traz a ideia de que o porte somente era deferido “ao rei e a seus amigos”.

Só que os números demonstram que essa infeliz ideia ou ideia infeliz pode não ser somente uma ideia. Conforme publicação no site www.defesa.org, Brasília é a cidade que mais foram concedidos porte de armas no Brasil; 13,4 portes a cada 100.000 habitantes, contra uma média nacional de 1,85 portes a cada 100.000 habitantes.

Basicamente, o Decreto em comento, simplesmente acabou com essa discricionariedade, com a pessoalidade das decisões e fixou critérios objetivos para concessão do porte de armas para certas categorias. Afinal, a impessoalidade, a moralidade a isonomia são os princípios que devem balizar a administração pública.

E não venham me dizer que isso é ilegal. Também é uma “regra” no Direito Administrativo de que “quem pode o mais, pode o menos”. Esse é um argumento muito utilizado no processo lógico de enunciação de regras implícitas a partir de regras explícitas. Então vejamos:

Pela regra explícita (art. 10, do Estatuto do Desarmamento), o Delegado de Polícia Federal tem competência para dizer quem tem ou não direito a portar arma de fogo. Por consequência lógica a regra implícita autoriza o Ministro da Justiça, chefe do delegado a conceder o porte ou negá-lo, e subindo nessa cadeia, veio o Presidente da República, autoridade máxima da Federação e disse, OBJETIVAMENTE quem tem ou não direito a portar uma arma de fogo.

Assim, o Decreto nº 9.785/19, alterado pelo Decreto nº 9797/19, não só se reveste de legalidade como de inteligência jurídica e política de Jair Bolsonaro, já que regulamenta a Lei, como ela mesmo previa, cumpre uma das suas principais propostas de campanha aprovada nas urnas.

Leandro Vinícius da Conceição

Advogado